Blaine Harden
Editora Intrínseca
Sinopse: Sua lembrança mais antiga é uma execução. Ele caminhava com a mãe rumo a uma plantação de trigo perto do rio Taedong, onde guardas tinham arrebanhado vário milhares de prisioneiros. Alvoraçado pela multidão, o menino rastejou entre pernas adultas até a fileira da frete, onde viu um homem ser amarrado a um poste de madeira. Naquela primeira execução, Shin viu três guardas fazerem pontaria. As detonações de seus fuzis aterrorizaram o menino, que caiu de costas. Mas ele se levantou depressa, a tempo de ver um corpo frouxo, ensanguentado, ser desamarrado, enrolado num cobertor e jogado numa carroça. No Campo 14, uma prisão para os inimigos políticos da Coreia do Norte, era proibido formar grupos com mais de dois presos, a não ser nas execuções. A execução pública - e o medo que ela gerava - era um momento didático. Os guardas de Shin, no campo, eram seus mestres. Ensinaram-lhe que os prisioneiros que infringiam as regras mereciam a morte.
Resenha
Na maioria dos casos, os norte-coreanos são enviados para os campos sem nenhum processo judicial, e muitos morrem sem saber do que foram acusados. São retirados de suas casas, em geral à noite, pela Bowibu, a Agência de Segurança Nacional. A culpa por associação é legal na Coreia do Norte. Muitas vezes um transgressor é preso com os pais e os filhos. Kim Il Sung estabeleceu a lei em 1972: "Inimigos de classe, sejam eles quem forem, devem ter sua semente eliminada por três gerações."
A Coreia do Norte é um um dos regimes mais fechados do mundo (na minha opinião é o mais fechado). Nós vemos constantemente flashs do que é a sociedade norte coreana, detalhes que vazam ou que são deliberadamente liberados para nós. E algo que sempre foi evidente é que existe um culto, uma doutrinação, em torno da família Kim. A Coreia do Norte parece uma adaptação do livro 1984. E assim como vimos em 1984, a imagem do Grande Irmão nada mais é do que uma mentira muito bem contada por um governo que controla (ou ao menos tenta ao máximo controlar) todos os aspectos da vida de seus cidadãos. Eles controlam os veículos de comunicação, eles decidem que tipo de emprego você pode ter, controlam todos os meios de produção, eles não te deixam viajar (até mesmo entre cidades) e durante muito tempo também controlaram a distribuição de comida.
Como Kim Jong Il explicou: "Devemos envolver nosso ambiente num denso nevoeiro para impedir que nossos inimigos aprendam qualquer coisa sobre nós."
Fuga do campo 14 basicamente narra a história de Shin, um norte coreano que conseguiu fugir da Coreia do Norte. Mas Shin tem algo de diferente dos outros refugiados norte coreanos, ele é o único fugitivo conhecido, nascido e criado dentro de um campo norte coreano para presos políticos. E não só isso, ele fugiu do campo 14, um dos mais fechados que existem, onde fugir é praticamente impossível.
O livro tem um tom de documentário, ele foi escrito por um repórter que entrevistou Shin para saber sobre a história do mesmo.
Ao avaliar a história aqui relatada, é preciso ter em mente que muitos outros presos passaram por adversidades semelhantes ou piores, segundo An Myeong Chul, o ex-guarda e motorista. "Shin teve uma vida relativamente confortável pelos padrões de outras crianças nos campos", disse ele.
A estória de Shin é muito parecida com a de sobreviventes dos campos de concentração nazistas, mas com algumas diferenças, dentre elas é que Shin nasceu no campo, para ele aquilo era o normal. Ele desconhecia completamente a existência do mundo exterior, o campo era o seu mundo. Ao contrário dos cidadãos norte coreanos comuns, Shin não era digno de ser doutrinado à endeusar a família Kim. Desde cedo ele aprendeu a seguir as regras do campo. Ele desconhecia ideais de família e de companheirismo.
Ao contrário dos sobreviventes a um campo de concentração, Shin não foi arrancado de uma existência civilizada e obrigado a descer ao inferno. Ele nasceu lá dentro. Aceitava seus valores. Chamava-o de lar.
Mais uma vez como uma adaptação fiel de 1984, as crianças dos campos eram ensinadas a denunciar qualquer um que não cumprisse as regras: família, colegas da escola, etc. E como Shin não conhecia qualquer outra realidade a não ser aquela violenta, ele acreditava piamente nas regras do campo.A maior parte da vida de Shin foi marcada pela fome, pelo trabalho infantil, pela violência e pela ausência de confiança. Ele simplesmente não conhecia o amor, assim como qualquer outro sentimento positivo. Ao contrário dos judeus que encontravam conforto um nos outros, o mesmo não ocorre nos campos norte coreanos, todos são inimigos, você está só e não pode confiar em ninguém. Outra diferença entre os campos de concentração nazista e os campos norte coreano, é que enquanto Auschwitz funcionou durante uns 5 anos, os campos norte coreanos já estão ativos a mais de 50 anos.
(…) o Campo 14 é uma caixa de Skinner com mais de cinquenta anos, um experimento longitudinal ainda em curso sobre repressão e controle mental, em que guardas criam prisioneiros a quem controlam, isolam e jogam uns contras os outros desde o nascimento.
O livro vai narrando a vida de Shin através dos anos intercalando com explicações sobre a história e política da Coreia do Norte. Para mim que já conheço a história do país (na verdade sou "quase" uma viciada na cultura, política e história do oriente) essa parte ficou repetitiva, mas deve ser extremamente interessante para quem não conhece ainda. Por esse motivo eu acabei dando 4 estrelas para o livro. Estava esperando uma narração em primeira pessoa de Shin e que o livro fosse focado na sua história no campo, em suas experiências somente. Obviamente essas partes existem, mas apenas em quantidade inferior ao que eu esperava. O livro é bem emocionante e mostra de maneira mais objetiva possível a realidade desses campos e a realidade do Shin, tudo pelo qual ele passou: antes, durante e depois da fuga. Ele abre uma janela para possamos tem um vislumbre da Coreia do Norte e da vida dos cidadãos dentro e fora dos campos.
Esse livro vai te fazer questionar o mundo em que vivemos. Diversos governos, principalmente ocidentais, amam ostentar como combateram o nazismo e salvaram os judeus dos campos de concentração. Esses mesmos governos porém se fazem de cegos diante dos campos norte coreanos, amplamente retratados em fotos de satélite. Sua existência é inegável, mesmo a Coreia do Norte não admitindo sua existência. Pelo que se sabe, existem 6 campos, um deles é maior do que a cidade de Los Angeles. Centenas de milhares de pessoas estão nesses campos e o número não para de crescer. Eles fazem os prisioneiros trabalharem até a morte. Eles fazem os filhos e os netos dos prisioneiros trabalharem até a morte. Eles os matam lentamente de fome. Eles os matam rapidamente em surtos de violência descabida. Não há esperança de fuga. Se um prisioneiro cometer suicídio, a família vai sofrer a vingança dos guardas. Para as crianças não existe futuro, sequer existe um traço de humanidade naqueles a sua volta. Esse livro irá te mostrar todos esses aspectos, é uma estória que vai de marcar.
"Estudantes secundaristas nos Estados Unidos discutem por que o presidente Franklin D. Roosevelt não bombardeou as ferrovias que serviam aos campos de concentração de Hilter", concluía o editorial. "Daqui a uma geração, as crianças poderão perguntar por que o Ocidente olhou fixamente para as imagens de satélite dos campos de Kim Jong Il, muito mais nítidas, e nada fez."
Sobre a edição do livro, a foto da capa é do Shin. O trabalho gráfico está maravilhoso e não tenho do que reclamar. O livro é pequeno e é super rápido de se ler, a leitura flui muito bem. O ritmo é muito bom, o autor conseguiu intercalar a história de Shin com as explicações de forma coerente, sem quebrar ou retirar o foco da estória. O livro é altamente recomendado para aqueles que se interessam pelo assunto e ainda mais recomendado para aqueles que nunca se interessaram. As centenas de milhares de prisioneiros norte coreanos precisam que o máximo de olhos possíveis estejam voltados para a Coreia do Norte. Quem sabe em um futuro próximo eles possam ser libertados…
"Os tibetanos têm o Dalai Lama e Richard Gere, os mianmarenses têm Aung San Suu Kyi, os darfurianos têm Mia Farrow e George Clooney", disse-me Suzanne Scholte, uma ativista de longa data que levou sobreviventes de campos para Washington. "Os norte-coreanos não têm ninguém assim."
Imagem de satélite do Campo 14
Sobre o autor
Blaine Harden (na foto com Shin Dong-hyuk) é reporter do programa Frontline, da PBS, e colaborador da revista The Economist. Reside em Seattle, depois da sucursal do jornal The Washington Post em Tóquio. É autor dos livros Africa: Dispatches from a Fragile Continent e A River Lost: The Life and Death of the Columbia.
Eu adorei Adeus China.... essa historia com certeza quero ler parece ser ainda mais tensa...
ResponderExcluirMuito tensa mesmo. É como fosse um relato de um ex-prisioneiro de um campo de concentração nazista. Porém de um campo que ainda existe. Você vai gostar muito desse livro.
ExcluirÉ um tipo de livro que eu leria com calma para sentir toda a trama na pele... costumo me envolver tanto que sofro junto com os personagens. Não leria agora, mas estou certa que este livro vai para minha estante. Faz meu tipo.
ResponderExcluirBjoca
Ni
O livro é pequeno Ni, então você acaba lendo rápido mesmo.
ExcluirEu acho que você irá adorar.